Enquanto cobrava volta do voto direto para presidente, Tancredo fazia discreta articulação para vencer eleição indireta
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O jornalista Ricardo Kotscho afirmou que Tancredo Neves, governador de Minas Gerais e uma das figuras mais importantes das Diretas Já, articulou discretamente sua candidatura pela eleição indireta ao mesmo tempo em que participava do movimento. O repórter descreveu como o político, ainda que colaborasse com a campanha, usou seu passado de defensor “moderado” da redemocratização para ganhar votos além da oposição. Segundo Kotscho, a ambiguidade do mineiro abalou Ulysses Guimarães, presidente do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e responsável pela aproximação de Tancredo às Diretas Já.
— Tancredo já estava articulando porque tinha medo de os militares não deixarem a “coisa” (campanha pelas eleições diretas) andar, não deixarem a democracia vencer. Ele fez contato com militares e com lideranças políticas e preparou o terreno caso a emenda das Diretas não passasse na Câmara para ser o candidato à eleição indireta. Ulysses não recebeu bem e se queixava que, enquanto a gente estava se arrebentando naqueles palanques e caminhões, Tancredo já articulava o “negócio” dele. Mas se conformou, porque no Colégio Eleitoral Tancredo teria mais chance de vencer.
Kotscho foi repórter especial da Folha de S.Paulo na cobertura dos comícios e chegou a ser apelidado de “Cronista das Diretas” por Ulysses, o Sr. Diretas. A declaração do jornalista, 40 anos depois da campanha, contrariou a imagem construída pela história. A união de políticos pela causa das eleições diretas é vista como uniforme e homogênea, principalmente na relação entre os personagens principais como o presidente do PMDB, Tancredo, Franco Montoro, Lula e outros. O professor de História da Universidade Federal Fluminense e vice-presidente do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, Paulo Knauss, disse que o Ulysses articulou a campanha de Tancredo. Diferente do repórter, o historiador contou que ele se aliou ao governador e nem sequer se colocou como candidato às indiretas para promover o mineiro.
Em articulações para candidatura, Tancredo amenizou o afrontamento ao governo de João Figueiredo. Na organização do comício de Belo Horizonte, em 24 de fevereiro de 1984, ele negociou com os dirigentes do Partido Comunista do Brasil para não levantarem bandeiras vermelhas ou com os símbolos foice e martelo. A motivação por trás do pedido era a acusação dos governistas de que a campanha das Diretas Já era comunista. Em outra ocasião, o governador cancelou um comício que aconteceria em Uberlândia, em março de 1984, para não coincidir com uma visita do presidente à cidade. As possíveis vaias a Figueiredo preocupavam o chefe do estado de Minas pela influência no processo da redemocratização.
Tancredo buscou, durante todo o processo, se destacar como potência política. O governador expressou financeiramente, com palanques da altura de um prédio de três andares e sistema de som potente, o desejo de superar o comício do vizinho Franco Montoro, da Praça de Sé, em São Paulo. Kotscho indicou que o mineiro tinha receio da reação militar aos grandes eventos e, mesmo assim, preparou o mega comício de Belo Horizonte, em 24 de fevereiro de 1984, e demonstrou esforço no movimento. Ao lembrar conversas com Tancredo, após a derrota da emenda Dante de Oliveira, o jornalista narrou um diálogo sobre a dedicação do governador à política, que negligenciou a própria saúde.
— Perguntei a ele: “Doutor Tancredo, como o senhor aguenta esse pique? Porque eu sou um pouco mais novo e já estou quebrado, cansado de tudo isso”. Ele me respondeu: “Olha meu filho, isso aí é a vitamina P. Você tinha que tomar vitamina P”. Eu, confuso, questionei que história era essa de vitamina P. Ele esclareceu: “É P de poder. Quando a gente quer poder, passa por cima de tudo”. Assim que ele não cuidou nem da própria saúde, tanto que não chegou nem a tomar posse.
Mudanças Já
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Após a rejeição da emenda, as Diretas Já se transformaram em Mudanças Já. A campanha que mobilizou o povo pelas eleições direta iniciou o apoio a Tancredo Neves na votação do colégio eleitoral. O ex-ministro das Comunicações Miro Teixeira, na época integrante do PMDB, explicou que a sabedoria de Tancredo garantiu a real possibilidade de vitória da oposição na votação indireta. Ele caracterizou dramática a decisão de Ulysses Guimarães de não concorrer, por acreditar que não ganharia, e de declarar o governador de São Paulo como candidato ideal. Em seguida, a definição da chapa resultou em um novo capítulo para a campanha que consolidou o drama.
Tancredo tinha escolhido como vice-presidente Marcos Maciel, senador de Pernambuco pelo Partido Democrático Social (PDS), o herdeiro da Aliança Renovadora Nacional (ARENA). No entanto, para concorrer na chapa do PMDB, ele deveria mudar de partido e abrir mão da legislatura. Maciel negou a oferta. Em busca de uma chapa que aumentasse as chances de sucesso, Tancredo buscou José Sarney, senador pelo Maranhão eleito pela extinta ARENA. Por se eleger em um partido inativo, o maranhense podia concorrer mesmo como Senador. De acordo com Miro, a escolha de Sarney tinha como motivação a expressão política e a preservação do mandato no Congresso Nacional. Em agosto de 1984, Sarney filiou-se ao PMDB e a chapa Tancredo-Sarney, apesar de polêmica, foi oficializada em convenção do partido.
— Aquele momento foi o começo de uma discussão interna, mas era uma discussão interna espalhada pelo Brasil. Eram sindicatos, artistas, políticos, intelectuais, de modo geral, discutindo que “coisa” era essa de processo indireto e que chapa é essa do Tancredo com Sarney de vice. Transmitir para todas as pessoas que organizaram o movimento das Diretas essa necessidade da transição dessa maneira… foi um momento mais dramático e o êxito foi o mais emocionante.
Ainda que não fizesse parte oficialmente da candidatura, o senador Marco Maciel liderou a Frente Liberal na eleição. Apontada pelo ex-ministro como crucial na vitória de Tancredo, a coesão da Frente Liberal com o PMDB atraiu votos de todos os lados. A Aliança Democrática, nome dado à associação, conseguiu unir de governistas aos opositores que, segundo Miro Teixeira, rejeitavam Maluf por ser visto como corrupto. A organização política de Tancredo o levou a ser eleito: em 15 de janeiro de 1985, o peemedebista venceu a eleição indireta com 480 votos contra 180 de Paulo Maluf. Para o historiador Paulo Knauss, o sucesso da campanha pôs fim à frustração política causada pela derrota da emenda Dante de Oliveira e resultou em um sentimento de superação aos apoiadores. O sentimento, entretanto, foi arrefecido pela saúde frágil de Tancredo.
O descuido do eleito com a própria saúde se tornou motivo de preocupação para o futuro da presidência. No meio político, já se discutia quem assumiria em uma eventual morte ou piora do mineiro. Se ele não tivesse condições de tomar posse, o presidente da Câmara, Flávio Marcílio, do PDS, teria que convocar eleições indiretas em três meses. Para Miro Teixeira, se isso se concretizasse, o candidato de oposição pelo Partido da Frente Liberal (PFL) Paulo Maluf ganharia as eleições. A história tomou outro rumo.
— Houve uma madrugada muito tensa, que terminou na casa do ministro Leitão de Abreu, na época chefe da Casa Civil, General Figueiredo, entre os dias 14 e 15 de março. Ela contou com a presença do General Leônidas, que comandou o III Exército em Porto Alegre. Lá, foi decidido que o vice assumiria. Com a morte de Tancredo, em 15 de março de 1985 José Sarney assumiu a Presidência da República.
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