A professora da Escola de Comunicação da UFRJ Ana Paula Goulart afirmou que o jornal Folha de S.Paulo deve um pedido de desculpas à sociedade brasileira pelo seu envolvimento com a Ditadura Militar. Goulart dividiu com o historiador e sociólogo Lucas Pedretti o trabalho que estudou a história do jornal e o seu envolvimento com a Ditadura Militar, principalmente no início dos anos 70. Embora reconheça o papel da Folha na cobertura das Diretas, a pesquisadora disse que o jornal precisa enfrentar com mais clareza o papel que desempenhou entre 1964 e 1985, quando o regime militar administrava com rigidez todo o país.
Na década seguinte, o jornal deu uma guinada em sua história ao encabeçar a cobertura do movimento político das Diretas Já, que tirou os militares do poder. A pesquisa surgiu em 2021, após a fabricante de veículos Volkswagen Brasil assinar um termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público Federal em 2021, devido a inquéritos que vinham sendo desenvolvidos que demonstravam a colaboração da empresa com a Ditadura Militar.
Contudo, até mesmo por esforços individualistas do próprio jornal, as origens do processo que o tornou a imprensa diária brasileira com o periódico de maior circulação do Brasil no início dos anos 80 ainda permanecem acobertados - ou irreconhecíveis - pelos grandes chefes do império de comunicação que o Grupo Folha construiu.
Sob a jurisdição do advogado Nabantino Ramos e em situação financeira cada vez mais próxima à falência, o jornal foi vendido em 1962 para a dupla de empresários Octavio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira Filho e assim como todos os veículos de comunicação de alguma importância da época, a Folha de S.Paulo apoiou o golpe militar de 64.
Dessa maneira, não demorou muito tempo para que eles crescessem junto da ditadura. Em 1967 modernizaram suas estruturas produtivas ao incorporar o papel offset de forma pioneira na produção e em 1968 já apresentavam faturamento expressivo. Segundo o historiador Lucas Pedretti, “o caso da Folha é mais um dentre tantos outros que demonstra, de formas distintas, essa relações empresariais que têm conexões muito poucos estudadas.”
Logo, não é surpreendente que - nos primeiros anos desse governo - o comando do jornal tivesse adotado um apoio editorial a favor dos militares muito claro, qualificando os militantes de esquerda de forma dura em suas páginas e reproduzindo inquéritos em estilo “disque-denúncia” enquanto mergulhavam, de maneira intensa, em uma fase de colaboração com o regime que durou até 1973.
Através de documentos e testemunhos obtidos pelo Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF) ligado a Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), o envolvimento do grupo Folha com os agentes da repressão durante o ano de 1971 era tamanho que o conglomerado concedia o uso de carros de distribuição do jornal Folha de S.Paulo para que fossem utilizados como cobertura de pontos entre militantes políticos - o que ocasionou em diversas prisões, torturas e mortes. “Não é só o apoio editorial à ditadura, é o apoio à política de repressão mais dura dela e uma mobilização da opinião pública para isso, o que nesse caso significa uma ação de construção de vigilância desses personagens.” destaca Goulart.
Porém, assim como muitos outros do ramo, na segunda metade da década de 70 a Folha se retraiu frente ao endurecimento do regime militar, reformulando suas páginas de opinião e cobrindo assuntos antes proibidos pela censura. De acordo com Frias, o compromisso do jornal era com os seus leitores, o que implicava na ideia de que a Folha deveria refletir a opinião e atitude política do povo.
Vista como uma atitude oportunista por uns e intuitiva por outros, a Folha assumiu a linha de frente das Diretas Já em 1984 e se posicionou como porta voz do povo e veículo de informação principal dos anseios da redemocratização do país. O jornal ampliou a cobertura em relação aos comícios que esquentavam o Brasil, colocou as vozes do movimento em sua capa e publicou o calendário dos eventos em suas páginas. Em entrevista com o advogado e político brasileiro Miro Teixeira, ele afirma: “Outros jornais, tendo em vista a necessidade de competição, acabaram aderindo ali pelo menos uma certa proporcionalidade de espaço. Mas essa é a questão. Quando se sonega o espaço, você retira a informação de quem? Do povo. E o povo já estava esgotado a beça.”
Assim, o Projeto Folha foi instituído nas redações do jornal. Originado a partir de discussões tão distantes quanto em 1974 - momento em que se afastaram politicamente do regime - esse novo projeto editorial balançou positivamente as fundações do o que se entendia como jornalismo feito pela Folha. Agora, seria produzido um jornalismo “crítico, pluralista, apartidário e moderno”, criando novas formas de trabalhar que eventualmente foram adotadas por quase toda a imprensa nacional.
Sem dúvidas, as mudanças encabeçadas pela Folha durante esse período estarão sempre ligadas ao sucesso do movimento das Diretas e consequentemente ao fim do período ditatorial no Brasil. Seu estilo vanguardista de fazer jornalismo no pós-ditadura lhe concedeu o título de jornal com maior circulação no país até 2021.
Contudo, historiadores como Pedretti e Goulart alertam sobre a importância de reconhecer que mais que um órgão de imprensa, a Folha de S.Paulo deve ser observada sob a perspectiva de um grupo empresarial. E que, nesse caso, ela soube fazer um uso muito inteligente da sua memória institucional, “apagando” o seu envolvimento com a ditadura em prol de uma imagem democrata. Mesmo que depois das diretas o jornal tenha se virado para um público mais plural e articulista para todas as vertentes, em 2009 eles ainda se referiram à Ditadura Militar Brasileira através do infame termo “Ditabranda”.
Portanto, as responsabilidades da imprensa não se acabam em “estar do lado correto da história” sempre, mas sim, ser capaz de reconhecer quando não estiveram. “É muito importante que um jornal como a Folha, que se apresenta como a serviço da democracia - a serviço do Brasil - venha a público, revise a sua história e assuma criticamente o papel que teve. Um dos elementos importantes da reparação é isso, pelo menos simbolicamente reavaliar esse passado e se desculpar. Ela está devendo isso à sociedade brasileira.” concluiu
Ana Paula.
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