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Da luta contra os grupos de extermínio na Baixada Fluminense, na primeira metade dos anos 1980, saíram os ativistas sociais que representaram a região na campanha pela volta do voto direto para presidente no Brasil e retomada da democracia. O domínio dos criminosos nessa região não foi suficiente para coibir movimentos pró-democráticos. Em dezembro de 1984, o então Bispo de Duque de Caxias, dom Mauro Morelli, organizou o Movimento Nacional Pela Constituinte. O lançamento do manifesto foi feito em plena Praça do Pacificador, no centro da cidade, e reuniu 7 mil pessoas, entre personalidades políticas e públicas, como Luiz Inácio Lula da Silva e o arquiteto Oscar Niemeyer.
Um dos principais problemas sociais do estado, o fortalecimento das milícias tem influência direta dos grupos de extermínio estabelecidos durante os anos 60 pela ditadura militar e apoiados pela estrutura pública ao longo dos anos. É o que afirma José Cláudio Souza Alves, professor da UFRRJ, autor do livro “Dos barões aos grupos de extermínio:uma história da violência na Baixada Fluminense” e especialista no tema.
Entre o final dos anos 60 e início dos anos 70, a alta de assassinatos ganhava destaque nos noticiários. Estrutura criada e fortalecida pelos militares, os grupos criminosos se aperfeiçoaram e conquistaram ainda mais força em todo o estado. No ano passado, de acordo com um levantamento feito pelo Instituto Fogo Cruzado e o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos, da Universidade Federal Fluminense (UFF), o domínio territorial dos milicianos correspondia a 10% do estado. Para o especialista, a ação criminosa não faz parte de um poder paralelo, e sim de uma estrutura do próprio poder público.
“As milícias são uma evolução dos grupos de extermínio que se aperfeiçoaram e se diferenciam a partir dos negócios, mas com várias linhas em comum. São servidores públicos que estão na base dos dois. Não é ausência de estado ou poder paralelo. Essa estrutura tem sua origem e está enraizada dentro da estrutura do estado. Ela vem da ditadura e permanece dentro do estado, com informações privilegiadas e se protegendo. Tudo a partir da dimensão do poder público. É o estado que é o crime, não tem nada de paralelo. A única grande base de grupos de extermínio, milícia e tráfico de drogas é a estrutura política e econômica que controla o estado”, afirma Alves.
A expansão das organizações especialistas em matar, na Baixada Fluminense, tem destaque a partir do final dos anos 1960 e início dos anos 1970 , quando Nova Iguaçu era a oitava cidade mais populosa do país. Preocupados em como controlar uma região tão densa, o regime teria passado a incentivar a criação de grupos paramilitares.
“A primeira questão da ditadura militar era como controlar um território gigantesco como o Brasil. Eles mapearam o país inteiro, e o medo era exatamente com as dimensões urbanas, porque são muito mais complexas. Nos anos 70 há uma explosão de homicídios e uma explosão de matérias sobre grupos de extermínio. A minha interpretação é muito simples: esses homicídios estão relacionados a matança que esses grupos de extermínio começam a produzir. Quem matava eram policiais militares, mas também havia bombeiros e policiais civis. O financiamento vinha de empresários e comerciantes. Começaram a aparecer matérias citando o envolvimento deles”, contou.
A relação com o governo e a participação na política teve impacto direto na organização de movimentos sociais na região. Durante o período do Ato Institucional n.º 5 (AI-5), líderes sindicais e comunitários foram perseguidos e presos.
O ex-vereador de Caxias José Zumba, 76 anos, destaca a repressão sofrida por sindicatos e associações de moradores na época. Pernambucano, ele chegou ao Rio em 1968. Dois anos depois, viu o município se tornar Área de Segurança Nacional, o que resultou na cassação do então prefeito Moacyr Rodrigues do Carmo, na prisão do vice-prefeito Ruyter Poubel e na invasão da câmara. Morador da Vila Leopoldina, Zumba conta que em 1974 o presidente da associação de moradores do bairro chegou a ser preso.
“Você não podia falar nada. Eles tinham olheiros e informações de todos. Tanto é que nós criamos a nossa associação de moradores em 1974, e o presidente foi preso. Só foi solto por conta da intervenção do Cardeal do Rio de Janeiro à época, Dom Eugênio Sales. Preso somente porque presidia uma associação”, conta o ex-parlamentar.
Dom Mauro Morelli e a luta pela democracia
Os militares tentavam a todo custo inibir a presença de qualquer pessoa que representasse um risco à ditadura. Conhecidos nos quartéis como “bispos vermelhos” - em alusão ao comunismo - líderes católicos como Dom Adriano Hipólito, então bispo de Nova Iguaçu, e Dom Mauro Morelli, bispo emérito de Duque de Caxias, se destacavam como os religiosos mais críticos ao regime e aos grupos de extermínio - o que incomodava as Forças Armadas. Em 1976, Dom Adriano foi sequestrado, torturado e abandonado sem roupas em um matagal, com o corpo pintado de vermelho, e seu carro foi levado até as proximidades da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), na Glória, e destruído numa explosão.
Em 1981, quando Dom Mauro Morelli foi empossado bispo da diocese de Caxias, membros das Forças Armadas teriam se articulado na tentativa de barrar a nomeação do sacerdote. Foi necessária muita articulação entre igreja e governo para que o bispo assumisse o comando da diocese do município.
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Os movimentos sociais que lideraram a luta contra os grupos de extermínio na Baixada foram os mesmos que se engajaram na campanha de redemocratização. O manifesto organizado em 1984 pelo bispo de Caxias foi uma peça chave na luta pela democracia na região e pela vida. “Mobilizou muita gente, não só de Caxias, como de outras cidades da Baixada, além de personalidades a nível estadual e nacional, como Brizola”, destaca Zumba.
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