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SBT e governo militar: a relação que criou o canal de Silvio Santos

Guilherme Bragança

Silvio Santos e João Figueiredo reunidos em Brasília (Autor desconhecido, foto retirada do UOL)

A encarnação do processo de alienação mental e cultural que a ditadura estabeleceu no país. Essa é a opinião do ex-deputado Estadual e ex Secretário Estadual de Cultura e Educação de São Paulo, Fernando Morais, quanto ao processo de concessão ao SBT e Manchete. Em meio a crescente das Diretas, nascia a emissora de Silvio Santos, cercada de polêmicas quanto a sua credibilidade e elegibilidade. “O mal venceu”, disse Fernando, algo que mencionou em seu discurso na Assembleia de São Paulo, em 1981.


Em contrapartida, o ex-deputado Federal e Ministro das Comunicações no governo Lula 1, Miro Teixeira, enxerga falhas na forma com que as emissoras de televisão brasileira não explicitam os posicionamentos editoriais, o que pode explicar as atitudes da rede paulista. Da fundação até os dias atuais, a emissora, assim como o dono, são figuras de questionamentos.


A disputa pela concessão da Tupi, extinta pelos militares em 1980, foi marcada por controvérsias. Com o objetivo de frear a Rede Globo, o Ministério das Comunicações decidiu entregar o direito à duas emissoras. Grupo Abril e JB lideravam os interessados, porém o Governo Figueiredo cedeu aos empresários Adolfo Bloch e Silvio Santos. Assim, Abravanel conseguia um meio de ter sua voz ouvida por todo o Brasil, uma rede nacional. Não apenas o fato de dois grupos de mídia estabelecidos serem preteridos, as diretrizes da concessão foram motivo de dúvida sobre a legitimidade do processo.


Fernando Morais se refere à TVS, canal que Silvio Santos fundou em 1975, a partir da extinta TV Continental, como uma das barreiras que impedia o empresário de participar da concessão. A lei exigia que nenhuma pessoa pudesse controlar duas emissoras simultaneamente. Outras diretrizes também não foram cumpridas, como o pagamento imediato das dívidas trabalhistas da TV Tupi, que só foram quitadas em 2000. O contrato previa a contratação de 80% da equipe da falida emissora, mas dados liberados pela Câmara em 2015 constam apenas 136 funcionários contratados, menos da metade do número apenas da Tupi do Rio de Janeiro.


— Os generais Golbery (idealizador do Serviço Nacional de Informações) e Medeiros (Otávio Medeiros, Ministro-Chefe do SNI) feriram os critérios de sua própria concorrência, que vetava os nomes de quem já possuísse estações de TV no país – disse Fernando Morais.


Após a fundação em 1981, o SBT contou até o final da década com uma programação voltada ao entretenimento. O jornalismo era escanteado. Na época, apenas 5% da grade era necessário ser dedicado a produções jornalísticas. Além do pequeno espaço, Fernando Morais cita o incêndio na emissora em 1983, que destruiu os estúdios, como agravante para a crise nos noticiários do canal.


— Senor Abravanel conseguiu reduzir em quase 24 horas diárias de programação da sua TVS (SBT) a apenas 24 minutos de informação por dia”. “Ele (Silvio Santos) reduziu a metade o corpo de jornalistas daquela estação. De 42 jornalistas que produziam o telejornal da TVS (SBT) ficaram 21 - disse o deputado.


Fernando Morais considera o conteúdo do canal na época como um espelho da ditadura. Dentro do “Show de Calouros”, que era líder de audiência nos domingos, Silvio dedicava um pedaço do show para a “Semana do Presidente”, folhetim que falava os grandes feitos de João Figueiredo, presidente da época e amigo do empresário.


— Esta capacidade monstruosa de alienar multidões foi potencializada pela entrega de uma rede inteira nas mãos de Silvio. Os oficiais sabiam que a espada da propaganda é capaz de imobilizar por um bom período mais adversários do que todo o poder de fogo do Exército brasileiro - disse Fernando Morais.


Silvio Santos não esconde a boa relação que tinha com Figueiredo e sua gratidão a ele pela criação do canal. Em 2017, durante uma edição do “Programa Silvio Santos”, o apresentador elogiou o ex-presidente “Sou muito grato a ele (Figueiredo). Se não fosse ele, estaria vendendo caneta na Sé”.


Durante as Diretas, o SBT manteve um jornalismo mínimo, com o diário “Noticentro” indo ao ar no fim da noite. O ex-Ministro das Comunicações, Miro Teixeira, falou sobre a atuação da imprensa nesse período, destacando o desfoque dos grupos de mídia quanto às Diretas, até o ponto que não era mais possível evitar noticiar os anseios do povo.


— Na época das Diretas, não houve grande apoio da imprensa no começo. Depois, ficou absolutamente impossível não divulgar os comícios. Na medida que a rua foi crescendo para valer, ela foi tomando o noticiário. Até que se viu que não havia possibilidade de se autocensurar. O povo tomou o comando do processo. Não foi graças à imprensa que se obteve a transição democrática, foi graças ao povo. A imprensa veio a reboque do povo - disse o Ministro.


Após a redemocratização, o SBT passou por uma grave crise financeira que quase culminou na Falência do canal. No fim dos anos 90 e início doas anos 2000, a emissora voltou a entrar em controvérsias, em especial pelo caso PCC. O evento, segundo Miro Teixeira, gerou discussões no Ministério das Comunicações sobre uma possível cassação da concessão da rede Paulista.


O SBT nos dias atuais



Silvio Santos e Jair Bolsonaro, durante edição do "Programa Silvio Santos" (Foto: Alan Santos/PR)

Em 2018, frente a ascensão de movimentos de extrema direita, que clamavam ideais da ditadura, o SBT passou a vincular mensagens em intervalos, como o slogan do governo Médici, “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Com a eleição de Bolsonaro, o canal aumentou o policiamento sobre as opiniões de seus jornalistas. Rachel Sheherazade, então apresentadora do “SBT Brasil”, recebeu sanções e chegou até a ser suspensa por comentários de casos como George Floyd e a Pandemia. Eventualmente, em agosto de 2020, ela foi dispensada via e-mail. Casos assim foram constantes na emissora durante o governo Bolsonaro. Sobre tais casos de censura, Morais diz não se surpreender, e que já previa casos assim na época da fundação, dada a natureza do processo.


Sobre os acontecimentos recentes nos bastidores do SBT, Miro aborda outra questão, a que de tais posicionamentos editoriais deveriam ser mais explicitados no Brasil, algo que é realizado em países como os Estados Unidos. Porém ele afirma que isso não deve servir de motivo para parcialidade.


— Por exemplo a Fox News, um canal de extrema direita, mas eles se declaram. Eu sou a favor disso. Os meios de comunicação lá passam um editorial dizendo sua posição, nos Estados Unidos é comum os canais passarem um editorial informando qual candidato a presidência da República vão apoiar. No entanto, o noticiário, esse tem que ser isento. Para o público poder escolher qual veículo vai ler ou assistir - disse Miro Teixeira.


Em 42 anos de existência, o SBT passa hoje uma nova crise identitária, similar à que teve após a retomada da democracia. Sem um governo de direita no comando do país, o alto escalão do canal busca articulações com o governo Lula. Segundo o Estadão, em julho de 2023, Silvio Santos ligou para o Presidente, a fim de conversar sobre o futuro da emissora, seguido de uma visita de suas filhas a Brasília. Sem o candidato que apoiou, resta o governismo para manter o Sistema Brasileiro de Televisão no ar.


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