A economia brasileira viveu o seu pior momento do século XX no final da ditadura militar. Isso vulnerabilizou o ambiente social do país, que, na ausência de programas sociais, viu a população se indignar. Nesse clima de revolta, acelerado pela quebra da economia brasileira, surgiram movimentos de reivindicação social e os protestos do Diretas Já.
A recepção da crise não foi homogênea. O milagre econômico já havia deixado uma herança de desigualdade social, que foi acentuada com o escalar da crise. As elites empresariais, porém, mesmo com o país em recessão, conseguiam certo espaço no mercado financeiro. Nos anos seguintes, a população via os índices de pobreza atingirem seus valores máximos.
Na década de 1970, o Brasil cresceu muito, porém de forma desorganizada. A urbanização que o país viveu no período ocorreu de forma muito rápida, o que sobrecarregou as plataformas industriais que viriam a sofrer o baque da desvalorização do câmbio.
Com grande parte da população sob instabilidade financeira, criou-se um ambiente de tensão social, tanto no campo quanto nas cidades. Partidos de oposição ao regime, sindicatos, uniões estudantis e lideranças civis construíram o movimento das “Diretas Já” que comandou a retirada dos militares do poder.
Carlos Pinkusfeld, professor de economia da UFRJ, especializado em inflação e déficit público, conta que, em 1979, com o segundo choque do petróleo, o mundo entrou em recessão. Tudo o que o Brasil vendia passou a ficar menos requisitado, enquanto aquilo que importávamos ficava cada vez mais caro.
Crise política
Tamanho descontrole econômico causou extrema queda de popularidade dos governantes militares. No último mandato do regime, de 1979 a 1985, a população encarou um presidente Figueiredo incapacitado para enfrentar qualquer impasse das dimensões econômicas e sociais, conta Paulo Knauss, professor do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (UFF):
“O presidente assumiu com a pauta da abertura política, mas, a partir de um certo ponto, ele se tornou um presidente com uma imagem muito negativa. O governo dele não conseguiu enfrentar os problemas econômicos envolvendo a dívida externa, acompanhado do aumento da inflação, o que criou um contexto de greves e reivindicações, na cidade e no campo.”
Em 1982, o resultado das eleições diretas para governador mostraram, de vez, a quebra de hegemonia dos militares. A oposição venceu em São Paulo, principal campo eleitoral, e em todos os demais estados mais populosos. No ano seguinte, o deputado Dante de Oliveira (PMDB-MT) apresentou uma emenda constitucional para recolocar as eleições presidenciais nas mãos da população.
A intensificação dos movimentos sociais, em função da crise socioeconômica, deixou os partidos de oposição, como o PMDB, o PDT e o PT, em posições de prestígio com a população no processo da redemocratização.
O país não tinha estabilidade financeira nenhuma: os salários só acompanhavam a correção monetária em caso de queda, e as demissões vinham sem nenhum tipo de auxílio. Isso provocou reação das camadas afetadas: saques a supermercados, ataques a instituições e protestos de rua.
Dívida externa e choques do petróleo
Em 1973, durante o conhecido Milagre Econômico, o primeiro choque do petróleo atingiu a economia global. O crescimento do país, que dependia da importação do recurso além de empréstimos estrangeiros para a produção, se comprometeu com a nova grande dívida de capital externo (dólar).
Como ministro da Fazenda da época, Delfim Netto, da extinta ARENA, fez de tudo para convencer a população de que as coisas estavam sob controle. Conhecido pela frase “é preciso fazer o bolo crescer para depois dividi-lo", tudo que Delfim fez foi intensificar o ingresso do capital estrangeiro, aumentando a dívida.
Os países do Golfo Pérsico, principais exportadores e donos do petróleo mundial, não concordaram com o apoio dos Estados Unidos a Israel na Guerra do Yom Kippur. Como forma de protesto, os árabes aumentaram o preço do barril de 3 para 12 dólares, um aumento de 400%.
Os países em desenvolvimento, grupo do qual o Brasil é protagonista, precisaram se endividar para seguir a economia rodando em meio ao déficit externo. Além disso, como consequência do Milagre Econômico, o país vivia o período mais intenso de urbanização de sua história, o que crescia a demanda industrial.
Para piorar, o contexto internacional também não era favorável. Em 1982, o México entrou em moratória, fazendo com que os fluxos de investimento internacional fossem cessados para os países devedores. Para contornar isso, o Brasil buscou dinheiro emprestado do FMI.
O termo foi a condição de realizar uma política de arrocho em todos os setores para que se pudesse pagar os empréstimos e os juros das importações, o que fez o PIB diminuir 5%. Pinkusfeld explica como a política foi implantada sem o devido cuidado:
"O Brasil começa a fazer uma política de arrocho de salário, de crescimento, produção, para tentar equilibrar as contas. Assim como num cheque especial, com menos dinheiro para pagar você compra menos comida, menos lazer, abre mão de certos direitos para dar um jeito de pagar sem piorar ainda mais a dívida. Enquanto isso, programas sociais nem sequer se imaginavam", diz o professor.
A dependência do país de empréstimos internacionais criou um efeito bola de neve na dívida externa, que atingiu o valor de US$102,1 bilhões em 1983. Esse valor configurava, na época, 53,8% do PIB nacional. Nos parâmetros atuais, isso resultaria em US$1,2 trilhões de débito.
Inflação
Para além da dívida, a desvalorização do câmbio e a desaceleração da economia fez com que a inflação começasse a se elevar. Em 1981, os déficits externos, a balança comercial instável e o desarranjo das contas públicas colocaram o Brasil em recessão.
A desequilibrada urbanização das décadas de 60 a 80 também era determinante. A oferta de bens e serviços, seja na produção rural como urbana, já não conseguia acompanhar o crescimento das cidades. Mas o verdadeiro boom da inflação, a hiperinflação, veio também com o petróleo, como conta Pinkusfeld:
"O Brasil já tinha uma dívida muito grande. Agora, com o preço das importações lá em cima, o preço de tudo subiria ainda mais. O petróleo mexe com tudo: valor de combustível, gasolina, transporte, produção de alimentos, maquinaria… Toda a produção se afeta. Assim, para conseguir pagar o preço das importações, que é em dólar, é preciso desvalorizar muito o próprio câmbio. A inflação que já estava alta, 40% em 1977, com os choques cambiais e o estancamento dos fluxos internacionais de crédito, se multiplicou ainda mais".
No final de 1983, o Brasil estava com 211% de índice inflacionário. O quadro era a estagflação, que é a situação de estagnação ou até recessão, combinada com alta inflação. Por conta disso, o PIB per capita teve sua pior queda da história. A década de 80 teve o índice de variação despencando 7%, com a maior taxa de empobrecimento médio já registrada na época.
Delfim Netto e a tensão social
As decisões políticas de Delfim Netto na criação de uma prosperidade artificial do Milagre Econômico destruíram a base de produção do país. O avanço industrial nos primeiros anos aconteceu, porém, como define Francisco Josué, do departamento de Ciências Sociais da UFRJ, havia uma espécie de “obsolescência programada”.
Delfim assumiu o Ministério da Agricultura do governo Figueiredo. Mesmo com os dois choques do petróleo, os juros americanos e toda a conjuntura desfavorável para a economia do país, o ministro continuava sugerindo que a resposta para isso era o crescimento nacional.
Mário Henrique Simonsen foi tirado do cargo de ministro da Fazenda, e Ernane Galvêas, braço direito de Delfim, assumiu. Com isso, veio o planejamento que iria destruir a economia do governo Figueiredo: desvalorizar a moeda, estocar a esmo e exportar todo o resto. Nos anos seguintes, a população via os índices de desigualdade atingirem seus valores máximos.
Comments