Origem da facção tem caráter anti-drogas e contra violência sexual
Presídio Cândido Mendes, Ilha Grande, Angra dos Reis visto de cima - Acervo Jornal O Globo
As uniões de presos dentro das prisões foram chamadas de falanges e a mais notória delas posteriormente ficou conhecida como Comando Vermelho. O grupo surgiu após o desenrolar de um episódio de violência sexual, e serviu como o início dos modelos de organizações que hoje comandam o tráfico pelo território brasileiro. Uma das primeiras alianças tem origem no Instituto Penal Cândido Mendes, na Ilha Grande, nos anos 70. Em entrevista com o ex-preso do instituto e advogado José Carlos Tórtima, a relação considerada amistosa entre presos na prisão de Angra dos Reis foi desmistificada.
Criada durante a ditadura, com o objetivo de conter movimentos contra o governo, o Instituto Penal Cândido Mendes foi escolhido como local de prisão de infratores de outras causas. Em reportagem feita pelo jornal O Globo, há uma visão de que os presos políticos se uniram aos “comuns” em prol de melhores condições do presídio, mas a abordagem foi contestada por Tórtima.
Um dos episódios que influenciaram a criação do modelo de facção mais difundido pelo país ocorreu no banheiro, dentro do presídio, numa tentativa de estupro. Ferrucho, como era conhecido um dos líderes dos presos comuns, tentou estuprar um soldado de 19 anos da aeronáutica. O soldado contou com o apoio de presos políticos e houve uma briga generalizada. O preso foi encaminhado à solitária, mas depois de dias os presos políticos intercederam pedindo a retirada de Ferrucho da cela. Por estar em maior número, eles se impuseram e estabeleceram algumas regras como a não circulação de drogas e a intolerância à violência sexual.
Apesar do entendimento de que a liderança política do presídio tendia aos presos políticos, não houve compactuação ou qualquer tipo de aliança por parte dos dois grupos encarcerados. Contudo, a relação de organização, com base nesses princípios dentro da prisão, era bem delimitada. Preso como parte da
resistência armada na década de 70, José Carlos Tórtima ocupou uma posição de destaque anos depois, no cargo de diretor de algumas das prisões reconhecidas no Estado do Rio de Janeiro.
— Eu presenciei a criação da Falange Vermelha, que foi fundada pelo falecido Rogério Lemgruber, na ditadura. Foi meu preso na unidade de prisão especial, na Rua Frei Caneca. A prisão tinha os presos mais notórios, o Peruano, Bagulhão, Escadinha, Sérgio Ratazana e alguns outros- contou.
A organização dentro dos presídios foi uma forma de reivindicar melhores condições de vida, se protegendo e evitando crimes internos. Para isso, diversos grupos prisionais instituíram um esquema chamado "caixa comum", o qual era alimentado pelo dinheiro arrecadado pelas atividades criminosas isoladas, daqueles que estavam em liberdade. O dízimo, como foi chamado, quando arrecadado serviria não só para financiar novas tentativas de fuga, mas também para custear luxos dentro das prisões.
Contextualização da época
Entre os anos 60-80, o país passou por um êxodo rural descontrolado, e sofreu forte urbanização por parte de uma população com pouco estudo e sem especialização profissional. Os altos índices de crescimento do PIB, com a baixa da inflação, enquanto a ditadura esteve instalada no país, foram acompanhados de uma piora nos indicadores sociais. Como a distribuição dos resultados do crescimento econômico foi bastante desigual, a concentração de renda aumentou no período. Esse processo desenfreado levou a criação de zonas habitadas não planejadas, tornando as capitais do sudeste, como Rio de Janeiro e São Paulo, o destino perfeito para a circulação de drogas e instauração das facções criminosas. Eram territórios desprezados pelos governantes onde o Estado não estava presente.
Além disso, o período era de constante perseguição política, o que levou ao afrouxamento do controle de drogas, por parte dos poderes públicos. Durante os 21 anos do regime militar, até o movimento das diretas já, em 1984, inexistiram políticas públicas sistemáticas voltadas para o setor de segurança. Essa folga no controle também concedeu espaço para a importação de armas ilegalmente, com a facilidade da compra de armamento militar durante a ditadura. Logo, a Falange Vermelha, mais tarde conhecida como Comando Vermelho, se espalhou pelo estado, controlando a circulação de drogas, como a maconha e a popular cocaína no final do século XX. Hoje, a facção é citada como dominante em 60% das favelas, de acordo com o Órgão de Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro.
Comments